Você provavelmente já ouviu falar dele... ou já assistiu a esse reality show.
Talvez você faça parte do time que não perde um episódio, que vive no Twitter comentando cada detalhe. Pode ser que você seja daquele tipo que ama ou odeia certos participantes logo de cara. Ou, quem sabe, esteja entre os que dizem que esse programa é um produto de massa, e que você está acima disso.
Mas talvez, e aqui seja quase unânime, independentemente de qual grupo você pertença, ache que ele é apenas um entretenimento barato e raso. Mas e se eu dissesse que tudo isso começou com um pesadelo?
Em 1949, o escritor britânico George Orwell publicou o livro “1984”, uma obra-prima distópica, onde um regime totalitário espia cada passo, cada gesto, cada palavra dos cidadãos.
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George Orwell |
O livro é ambientado em uma sociedade inspirada na ascensão de regimes totalitários durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. O medo instaurado nesses períodos influenciou profundamente a forma como os personagens vivem e pensam.
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1984 de Geroge Orwell |
Há teorias que dizem que o nome do livro, "1984", é uma inversão do ano em que Orwell o terminou: 1948.Nesse universo distópico, as pessoas são constantemente vigiadas por uma entidade que tudo vê: o Grande Irmão, ou Big Brother.
A capa do livro traz a frase que atravessou gerações:
“Big Brother is watching you.”
(O Grande Irmão está te observa/
No livro, os países como conhecemos não existem mais. Restaram três grandes regiões: Eurásia, Lestásia e Oceania, em guerra constante. Mas o maior problema do protagonista, Winston Smith, não são os conflitos externos, e sim os internos.
Winston trabalha no Ministério da Verdade, onde sua função é reescrever a história, trocando verdades por mentiras. Ele apaga da memória coletiva figuras que um dia criticaram o regime. Elas simplesmente... deixam de existir.
Seu único momento de "lazer" é ao chegar em casa, ficar diante da teletela, um aparelho que transmite informações do Estado e nunca pode ser desligado. Mas a teletela também observa Winston... captando tudo o que acontece em sua casa.
Só eu acho isso assustadoramente parecido com os nossos celulares?
Outro elemento crucial do livro é a Polícia do Pensamento. Quem for flagrado pensando contra o regime pode ser condenado a 25 anos de prisão, ou até executado em praça pública.
Um dia, Winston percebe que a teletela não alcança um canto do cômodo. Ali, ele decide começar a escrever um diário. Ali, começa sua rebelião. Logo, se envolve com uma mulher. Mais tarde, eles confiam em um colega de trabalho, contam tudo... mas descobrem que ele era, na verdade, um agente infiltrado do governo. O Grande Irmão, de fato, tudo vê.
Décadas depois, o que era ficção, quase virou realidade.
Biosfera 2
Em 1991, oito cientistas foram convidados a participar de um experimento: passar dois anos confinados em uma estrutura que simulava todos os biomas da Terra, com a ideia de prepará-los para viver em outro planeta.
Nascia ali o Projeto Biosfera 2.
O projeto foi idealizado por John Polk Allen, engenheiro formado por Harvard, que em 1984, olha a coincidência com o nome do livro de George Orwell, comprou um terreno em Oracle, onde construiu um ecossistema artificial fechado. O primeiro prédio foi um domo de vidro e aço com 28 metros de altura. Depois, vieram uma área subterrânea de tecnologia e uma zona para habitação humana.
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Jonh Polk Allen |
Dentro do domo, havia floresta tropical, deserto, savana, manguezal, um oceano com recifes de coral, e uma área agrícola. Logo no início, o mundo inteiro ficou curioso: o que acontecia lá dentro? O local virou atração turística, como um zoológico de cientistas.
Mas logo surgiram problemas: os cientistas brigavam, tinham dificuldades para cultivar alimentos, comiam sempre as mesmas coisas, principalmente banana e beterraba. Chegaram a tentar fazer vinho de banana.
Além disso, enfrentaram falta de ar, a ponto de terem dificuldade para subir escadas. O experimento durou os dois anos prometidos. Houve uma segunda tentativa em 1994, mas fracassou. Hoje, a Universidade do Arizona usa o espaço apenas para pesquisas ambientais. Mas com tanta fama… será que nenhum produtor de TV teve a ideia de transformar isso em entretenimento?
Claro que teve.
Em 1999, o produtor John de Mol criou, na Holanda, o reality show “Big Brother”.
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Jonh de Mol |
Câmeras ligadas 24 horas. Participantes observados por milhões. O público julgando, votando, eliminando. No início, ninguém quis o programa. A imprensa dizia que era antiético. John, então, ofereceu de graça a uma emissora… que aceitou. E o resto é história.
O programa foi um sucesso imediato. Era fascinante ver pessoas comuns, livres, leves, soltas, brigando, sonhando, sorrindo… e sendo julgadas por nós, telespectadores. O reality conquistou o mundo. Os produtores passaram a criar narrativas para que os participantes se humilhassem por prêmios. E nós assistíamos, ríamos, comentávamos.
Em 2002, chegou ao Brasil.
Big Brother Brasil.
Uma superprodução da TV Globo, transmitida em horário nobre. Hoje, supera a audiência da novela das nove. Mas com ele vieram polêmicas: pressão psicológica, crises emocionais, denúncias de manipulação de narrativa e até crimes, como casos de assédio dentro da casa. Aqui, vale destacar: a TV Globo reconheceu os problemas e colaborou com as investigações.
Vivemos na era da vigilância total.Redes sociais, algoritmos, reality shows. Cada vez mais somos vigiados, e nos deixamos vigiar. O programa é uma forma de entretenimento que nos distrai das nossas próprias angústias.
Assistir alguém se humilhar por um prêmio pode ser reconfortante pra quem já se sente humilhado todos os dias, sem receber nada por isso.
Será que o Big Brother é só um programa de TV? Ou será um experimento, um espelho, um lembrete de que hoje, todos nós vivemos sob o olhar constante do Grande Irmão?
A casa é milimetricamente projetada para gerar ansiedade. As cores, os objetos, os sons… tudo pensado para provocar e manter o público engajado.
Hoje, marcas disputam espaço no programa como nunca antes. E no dia seguinte a um paredão, é impossível não ouvir alguém comentando. Mas será que tudo isso é apenas entretenimento? Ou será que a origem do programa realmente influenciou seus criadores?
Estudiosos como Shoshana Zuboff alertam:
Alguns acreditam que o Big Brother é um aviso das elites de que somos apenas uma massa obediente. Um povo vigiado, manipulado, domado.
Na minha opinião?
O trabalho escravo foi abolido pela Lei Áurea. Mas o que vemos hoje?
Gente pegando ônibus lotado, recebendo salários miseráveis, sorrindo por obrigação, com medo de reclamar, porque tem uma fila de pessoas que aceitariam as mesmas condições. Enquanto isso, bilionários herdam fortunas por gerações, e ainda nos vendem a ilusão de que o sucesso é apenas uma questão de esforço.
O Big Brother pode até ter começado como uma experiência social. Mas por trás da diversão... ecoa algo mais sombrio. O reality que eternizou o olhar voyeurístico da audiência mundial nasceu, direta ou indiretamente, de ideias que antes causavam terror. A ideia de que todos podem ser vigiados. Todos podem ser punidos. E que, no fim, todos querem assistir.